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do tempo que por mim passa
13 de março de 2025, quinta-feira.
Uma nova dimensão na vida. Um novo Tempo, não apenas cronológico mas, seguramente kairológico, porque qualitativamente oportuno.
É este o tempo.
Porém, não tive qualquer preparação para isto.
Não estava preparado.
Olho todas as oportunidades de trabalho que se me abrem e percebo que, uma vez mais e antes de tudo, faço escolhas.
Escolho fazer isto ou aquilo.
Priorizo, valorizo e opto.
E as decisões têm consequências.
Há coisas que ficam por fazer.
Terça-feira de Carnaval.
Uma manhã de luz filtrada por neblina que se deixa iluminar. Confirma-se que os Estados Unidos da América interrompem, de imediato, o fornecimento de armas e munições à Ucrânia, na sequência de um incidente ocorrido na Sala Oval da Casa Branca, ocorrido na passada sexta-feira, 28 de fevereiro. Esta decisão poderá muito bem representar o princípio-do-fim de um sonho em que o "bem" venceria o "mal". Porém, tinham razão os pragmáticos. A história, a política, o exercício da liderança, obedecem a lógicas em que o valor moral está ausente.
Enquanto isto, Jorge Bergoglio, ou Papa Francisco, debate-se com a sua persistente insuficiência respiratória num hospital de Roma. Às portas da celebração da Santa Páscoa do Jubileu de 2025, a liderança, no Vaticano é, de momento, difusa.
São estes os "sinais" que inauguram a manhã de hoje, a sexagésima sexta terça-feira de "entrudo", da minha vida.
Há muitos anos que combato, no meu íntimo, a tentação do ressentimento, do azedume, do ressabiamento (que quase se me impõem sem que eu os deseje) como respostas à frustração. Nestes dias, "que são os últimos", profissionalmente falando, a distância que me separa dos decisores e das dezenas de jovens que ao seu redor pululam; a sensação de "peso" que sinto sobre os meus ombros, para um desempenho que não sinto valorizado; o inevitável e precoce afastamento que vou experimentando relativamente ao que resta do meu grupo de trabalho... tudo isto "carrego" como o castigo de Sísifo. Mas creio haver um Sentido. Creio haver um Propósito. Creio haver uma Missão. Creio que "todas as coisas concorrem para o bem" dos que amam a Deus (Rom. 8, 28) e que por Ele são amados .
Acompanho, com incómodo e dificuldade, a atualidade política, local e nacional. Não consigo optar por qualquer dos projetos que os partidos políticos me propõem. Por ideologia, não esclarecida, mas também pelas sua dinâmicas próprias. Nem sei bem porquê; já que, assumir a minha opção pelo catolicismo é um compromisso bem mais abrangente e controverso; apesar disto, não deixo de o assumir. Assim vamos vivendo, em condição paradoxal.
Esta manhã, de domingo, é igual, na luz e na cor, àquelas manhãs em que eu esperava, na sala de estar, pela chegada daquele automóvel, daquela família. Era um casal e cinco meninas. Eu bem sabia quem eram. E pouco importa estar agora seguro que era uma paixoneta adolescente que ali me detinha, disciplinado, ansioso, como obrigado a esperar. A viatura chegava, enfim. Branca, familiar, entrava no recinto, que eu vislumbrava daquela janela ampla, e fazia um trajeto curto como de uma carruagem de príncipes e princesas que acabasse de chegar ao terreiro de um solar. Parado, abertas as portas laterais, saíam do carro, um a um, uma a uma e a um ritmo quase impossível de contar, o pai, a mãe e Helena, Ana, Isabel, Fernanda, Rosa... Por qual delas, algum vez, realmente me apaixonei?...
Minha mãe dizia que a impressionavam as ruínas das casas. Que se interrogava sobre quantas vidas (e que vidas) teriam passado no resguardo daquelas paredes. A mim enche-me a alma de mistério o silêncio das coisas, móveis e objetos, no interior das casas que conheço e que, de tempos a tempos, ocupo. Observo as horas a que o sol dá vida no seu percurso inexorável, de nascente a poente, e sinto-o como um dia da Criação: houve uma manhã e uma tarde; e este foi o (...) dia!
Onde estava eu quando o sol percorreu as paredes ausentes da Casa da Avó Marta, no Porto ou, muito mais a sul, no nosso apartamento de Ayamonte? Em qualquer destes lugares há móveis, roupas de cama, livros, candeeiros, utensílios de cozinha, simplesmente à espera de nos serem úteis. De, assim ganharem "vida" e sentido. Um dia, porém, partiremos de vez. Mas eles, no seu mistério permanecerão, a uso de quem nos sobreviver.
Vejo (ouço) uma entrevista a Siza Vieira, professor e arquiteto. Volto a perceber que somos uma mistura complexa de experiências e do modo como delas retiramos "conhecimento"; somos as circunstâncias, as ocasiões e oportunidades; mas somos, também, as escolhas que fazemos. Em tudo isto somos um "fluir" simples, um inexplicável mistério ou milagre. A "história" de Siza parece uma história "vulgar". A mesma "vulgaridade" do génio, como de um Manoel Oliveira ou de uma Agustina Bessa-Luís. E nem se pode dizer que tenha tido uma vida "fácil"...
Retomo a leitura de um texto que José Pedro Angélico escreveu para a Comunidade Cristã da Serra do Pilar, como comentário/homilia às leituras do XVIII Domingo do Tempo Comum. Aqui se fala da inutilidade do "acumulado", da arrogância que deriva do "ter", do "possuir" (Lucas 12,13-21). O autor discorre sobre a "horror" ao vazio que nos vem da Natureza, e estabelece um paralelismo entre o "vazio" dos "dias comuns", aparentemente "cheio" de banalidades. Pelo contrário, evoca o "vazio" que o místico deseja criar dentro de si, para que o Espírito possa "ocupar" esse espaço. Num Tempo em que luto pela gestão dos meus "teres" mas, sobretudo, da minha memória, ler e reler este texto provoca-me, convoca-me. Não deixo de registar/verificar mais este paradoxo: como um bom texto académico, de estudo, é rico em citações, em "referências". Que seria dos estudiosos sem a "memória " sem a arte da escolha, da seleção, da catalogação!
A minha "viagem" continua. Sinto cada emoção, positiva ou negativa, mais leve ou mais intensa, vivida em paz ou sob cansaço, como um passageiro no bojo de um avião. Sinto cada hora do dia como uma "passagem" de luz. Sucedem-se as rotinas, por entre acalmias e turbolências. De entre estas, algumas bem intensas, intermináveis; outras, como réplicas, mais suaves e toleráveis. Um dia, chegarei. Será o momento da "aterragem". Chegarei, então, ao meu destino - cidade que é como a "nova" Jerusalém - ou sentirei o conforto do "regresso" a casa.
Volto a escrever sobre as emoções. Sinto necessidade disso. Descobri na mais profunda tristeza um refúgio e nas lágrimas um conforto. Aliás ouvi de passagem, como por acidente, um orador que falava da importância da experiência da frustração. Então, enquanto vou experimentando emoções diversas, da alegria ao temor, do conforto à dor da incerteza e da insegurança, vou pensando na importância que há em "sentir", "experimentar" quantas cambiantes de côr, luz da alma, se nos deparam! E jamais chegaríamos a experimentar a felicidade (?) se não fosse por contraste com o sofrimento, a dor, a tristeza e a morte. Por enquanto, porém, ainda há luz.
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